Mente
Hebraica x Mente Grego-Romana
Introdução:
A Bíblia no original é,
humanamente falando, um produto da mente hebraica. A primeira manifestação
original do que hoje chamamos de “Igreja” foi também uma expressão da mente hebraica.
Em algum ponto na história eclesiástica, alguém abandonou o projeto inicial
dentro do contexto hebraico comum aos dias de Yeshua e o substituiu por um
não-hebraico, precisamente Grego/Romano. Como resultado, o que foi construído
desde então tornou-se uma caricatura do que se pretendia. Em muitos aspectos
tornou-se antagônica aos milênios de historia, cultura e tradição oral herdada
por gerações anteriores.
Vamos analisar algumas das diferenças fundamentais na mentalidade dos hebreus
dos tempos bíblicos em contraste com a forma helenística (grego-romana) de
pensar que deu surgimento a maior parte da teologia cristã.
William Barrett, explica diferenças fundamentais entre a mente Hebraica e
Helenística: Fazer x Saber. Diz Barrett, “A distinção … é decorrente da
diferença entre o fazer e o saber, a Hebraica está preocupada com a prática do
comportamento correto que é de suma relevância, em contraste, a Helenística se
preocupa com o conhecimento, o saber tem relevância sobre o fazer. Sendo assim
a Hebraica exalta as virtudes morais como uma substância superior para uma vida
significativa, e a Helenística exalta as virtudes intelectuais, o contraste é
entre a prática e a teoria, entre o homem moral e o homem teórico-intelectual.
Isso talvez ajude a explicar o por que para muitas igrejas cristãs seu foco
está nas questões ortodoxas doutrinaria, o número de denominações cristãs que
existe é uma prova concreta disso. Todas crêem nos mesmos princípios básicos,
mas divergem e se separam ao ponto de não terem comunhão pelas mínimas
diferenças doutrinarias, mostrando que a “doutrina correta” e mais importante
do que comunhão com um irmão de uma persuasão diferente da sua.
No judaísmo bíblico, é justamente o oposto. Como Dennis Prager escreveu:
“… a
crença em D-us e o agir eticamente deve ser indissociáveis, indispensável… D-us
exige um comportamento correto mais do que qualquer outra coisa, incluindo
liturgia a crença correta.”
Foram cristãos gentios influenciados pela filosofia grega que intelectualizaram
e sistematizaram a doutrina cristã. O pior de tudo e que eles mudaram essa
doutrina de forma radical. Os hebreus dos dias de Yeshua e logo a seguir a era
apostólica da Igreja Judaica não tinham teologia formal ou sistematizada. A
“igreja primitiva” não tinha hierarquia arraigada ou magistério por meio do
qual toda a doutrina tinha de ser filtrada e aprovada.
O que os apóstolos ensinavam sobre um determinado assunto era aprendido
diretamente de Yeshua que por sua vez tinha retirado da Torah ou Lei de Moisés, como
também aprendido com as tradições orais e experiências coletivas do povo judeu.
Eles determinavam Halacha (como andar) diretamente das interpretações dos
mestres em suas comunidades. A medida que as circunstâncias mudavam eles recorriam
a interpretação da Torah (Pentateuco) e determinavam a ação a ser tomada (Halacha)
(cf. Mateus 18:18). Atos 15 fornece um relato de como, no mínimo, um
ensinamento sobre requisitos para crentes gentios foi formado por volta de 50 e.c. Observe a natureza participativa da discussão, todos os membros da
Congregação Nazarena participaram (Atos 15:4,12,22), e não apenas uma elite
estava envolvida nas decisões.
Em círculos cristãos tradicionais muitas vezes é mais importante acreditar e
abraçar “a coisa certa ou doutrina correta”, do que viver da maneira certa.
Alguns são obcecados com credos, declarações doutrinais, teologia sistemática e
ortodoxia contra a heresia, esse modo de pensar é 100% helenístico.
Para muitos de nós, ocidentais, a mentalidade hebraica é tão estranha e impossível
de compreender que ao estudar as escrituras hebraicas rapidamente pulamos de
volta para a zona de conforto do molde helenístico. Naturalmente ao tentarmos
interpretar o texto hebraico com nossa ótica ocidental (helenística) de
interpretação consequentemente será no mínimo distorcida. Note que a maior
parte do Tanach ou velho testamento foi escrito em hebraico e há fortes indícios de que
os evangelhos foram originalmente escritos em hebraico/aramaico e depois traduzidos para
grego, de qualquer forma todos os livros do novo testamento foram escritos por
judeus, portanto foram escritos por pessoas que pensavam de forma hebraica
apesar de terem usado outra língua (grego).
Por exemplo, em termos de tempos “proféticos” aqui novamente mostra-se o
conceito helenístico de tempo – Inicio-meio-fim – pontos numa trajetória
linear. Queremos saber a ordem sequencial quando D-us vai agir, criamos um
cronograma pré-ordenado dos acontecimentos e queremos eliminar os eventos do
nosso “calendário profético” a medida que eles vão acontecendo. Essa
mentalidade é alienígena para a mente hebraica, para ela, não interessa a
seqüência exata dos acontecimentos, o que interessa é que D-us vai agir, a
leitura do tempo é cíclica e não linear.
Na teologia ocidental, às vezes abandona-se a interpretação literal das
Escrituras em favor de interpretações alegóricas. Isso também é tipicamente
grego-romano. Interpretação alegórica abre portas para uma infinidade de
exposições “criativas” que deixam o estudante das Escrituras confuso e
desorientado.
Mente Hebraica x Mente Grego/Romana Parte 2
Principais
diferenças entre mente Grego-Romana e Hebraica.
Obs:.
Legendas: GR= Mente Grego/Romana; H= Mente Hebraica
GR – A vida é analisada em categorias precisas.
H – Toda a vida se mistura em todos aspectos.
GR – Uma divisão clara entre o natural e o
supernatural
H – O supernatural afeta toda a vida.
GR – Lógica linear.
H – Lógica em bloco e ciclica.
GR – Individualismo
H – Importância em ser parte do grupo
GR – Igualdade das pessoas
H -Valor vem de um lugar em hierarquias
GR – A concorrência é boa
H – A competição é mal (melhor cooperação)
GR – Universo é centrado no homem
H – Universo é centrado em D-us-tribo-família
GR - Valor da pessoa com base em
dinheiro-bens materiais-poder
H – Valor derivado das relações familiares
GR – Vida biológica é sagrada
H – A vida social extremamente importante
GR – Aleatoriedade + causa & efeito determinam
o que acontece na vida
H – D-us causa tudo em seu universo
GR – Homem domina natureza através da compreensão e
aplicação das leis da ciência
H – D-us domina tudo, portanto, relacionamento com
Ele determina o resultado dos acontecimentos.
GR – Poder é obtido por meio dos negócios, da
política e influências.
H – Poder social é resultado de padrões
pré-ordenados por D-us.
GR – Tudo o que existe é o material
H – O universo está repleto de seres espirituais
poderosos
GR – O Tempo é linear e dividido em segmentos
precisos. Cada evento é um novo acontecimento.
H – O Tempo é cíclico. Eventos similares
constantemente reaparecem, (O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez,
isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Ecl 1:9)
GR – A História grava fatos objetivos e
cronológicos.
H – A história é uma tentativa de preservar
verdades significativas de forma significativa e memorável, não necessariamente
fatos são objetivos.
GR – Orientação para o futuro próximo.
H – Orientação para as lições da história.
GR – A mudança é progresso = bom.
H – A mudança é ruim = destruição das tradições.
GR – Universo evoluiu pelo acaso.
H – Universo criado por D-us.
GR – Universo é dominado e controlado pela ciência
e tecnologia
H – D-us deu ao homem domínio sobre sua criação,
mas haverá Prestação de contas a D-us.
GR – Bens materiais = medida de realização pessoal.
H – Bens materiais = bênção de D-us para ser
compartilhado com outros.
GR – A fé é cega
H – A fé é baseada no conhecimento – experiência
pessoal e em grupo
GR – Tempo como pontos em uma linha reta,
inicio-meio-fim (“neste momento no tempo …”)
H – Tempo determinado pelo conteúdo (“No dia em que
o Senhor fez …”)
Mente Hebraica x Mente Grego/Romana Parte 3
Ao
abordarmos as Escrituras Hebraicas com nossa mente Grego-Romana que é altamente
científica sem a devida consideração podemos produzir distorções
exegéticas grotescas. Ao tentar entender a cultura hebraica dos dias bíblicos
assim como aqueles que viviam nesse tempo vamos experimentar um choque cultural
devido a diferença cultural e visão do mundo, seus padrões de pensamento eram
bastante distinta do nosso, seus valores e percepções eram radicalmente
diferente. A Bíblia foi escrita em uma era pré-científica. A língua hebraica em
si é bastante diferente do nosso em muitos aspectos infelizmente muito foi
perdido na tradução.
Quando
estudamos as Escrituras, ou quando consideramos a natureza do início do Novo
Testamento na comunidade nazarena, temos de levar em conta as diferenças
entre o pensamento hebraico e helenístico. Intelectualmente, nós somos gregos,
não hebreus. Nós aplicamos raciocínio baseado nas teorias de Aristóteles e
Sócrates em quase tudo que analisamos, mesmo não tenho consciência, devido ao
método de ensino que fomos submetidos toda a nossa vida através da cultura em
que vivemos. É extremamente difícil se desvincular desses padrões e
entrar na mente hebraica. Temos uma certa insistência em analisar tudo em
padrões logicamente consistentes, em sistematizá-los, em organizá-los,
teologias cuidadosamente fundamentadas. Não conseguimos conviver
com inconsistência ou contradição confortavelmente. A Divindade tem que
ser bem definida e estruturada rejeitamos a idéia hebraica de que D-us é
simplesmente inefável, e que o Seu livro não se encaixa em nossa
sistematização. Como Abraham Heschel escreveu:
“Ao tentar sistematizar a
Bíblia, que é cheia de vida, drama e tensão, a uma série de princípios seria
como tentar reduzir uma pessoa viva a um diagrama” – Livro – D-us em Busca do
Homem por Abraham Heschel, p. 20.
A mente ocidental, quando procura compreender as Escrituras ou o que significa
ser um “cristão”, cria seus próprios dilemas exegéticos e teológicos. (“Se D-us
é todo-poderoso, poderia ele criar uma pedra tão pesada que não conseguiria
levantar?” Ou “Se D-us é amor, então por que ele permite que o mal aconteça
…?”) Incansavelmente tentamos organizar tudo em blocos gerenciáveis e
estruturas intelectuais, queremos que todas as perguntas sejam respondidas,
todos os problemas sejam resolvidos, e todas as contradições resolvidas.
Em nossa
busca incessante de transformar as Escrituras em um livro sistematizado de
respostas teológicas sobre D-us, acabamos distorcendo seu
conteúdo. Procuramos entender o incompreensível, D-us; tentamos
transformar o abstrato em concreto. Mas, “Para a mente judaica, o entendimento
de D-us não é alcançado referindo-se dentro do modo grego de qualidades
intemporais de um ser supremo, ou idéias de bondade e perfeição mas sim
experimentando Seu cuidado no nosso dia-a-dia, Sua atenção aos pormenores de
nossa vida de forma dinâmica. Não ha muita importância em falar de sua bondade
mas a ênfase é posta em Sua compaixão para com o homem
individualmente.”(Heschel, p. 21). Em outras palavras, D-us não é “conhecido”
no abstrato, mas em situações específicas em que Ele afirma-se como D-us sobre
a vida de cada um. D-us é o que Ele se revelou, não o que teorizamos a Seu
respeito. Vemos Sua interação com o povo de Israel por milhares de anos baseado
em experiências tangíveis na vida de indivíduos.
Se quisermos entender a Bíblia, e o que significa ser um seguidor de Yeshua
haMashiach, então teremos que entende-la Hebraicamente, não Helenisticamente.
Isso vai exigir uma mudança de paradigma filosófico e intelectual de nossa
parte, isso vai significar abordar as escrituras a partir de um ângulo
totalmente diferente.
Heschel
também escreve: “Os gregos aprendiam a fim de compreender. Os hebreus aprendiam
a fim de reverenciar. O homem moderno aprende a fim de usar” (ibid., p. 34).
Mente Hebraica x Mente Grego/Romana Parte 4
CONCLUSÃO:
Queremos
uma religião de utilidade. Queremos técnicas que podem ser aplicadas conforme
cada situação que experimentamos. Nós vemos muito “técnica orientadas” na
igreja hoje em dia, como: 3 passos para crescer espiritualmente, 10 mais de ter
um bom relacionamento, etc…
Queremos
técnicas para a compreensão, sistematização e estruturação do “calendário
profético” para que possamos saber “o que vai acontecer a seguir”. Algumas
pessoas querem saber para que elas possam ter algo para comercializar a outros
cristãos que também querem saber. Estes são os que procuram ganhar com a
“piedade” ou religião (cf. I Timóteo 6:5). Buscamos “técnicas cristãs” de
cura interior, cura exterior, prosperidade financeira, ou para receber
poder espiritual. Esta maneira de pensar é alheia a mente hebraica.
Em nossa
cultura, temos comercializado tudo, incluindo o cristianismo. Infelizmente não
pregamos o Evangelho, curamos os enfermos, expulsamos os demônios e fazemos
discípulos – muitos aplicam boa partes dos seus esforços vendendo parafernália
“cristã” folhetos e bugigangas. Fazemos música, não para adorar a Deus, mas para
vender CDs. Evangelistas são escolhidos para pregar porque “sabem atrair
multidões”, o poder ministerial foi comercializado e politizado, tanto quanto a
de políticos regulares. Editoras cristãs publicar livros de celebridades
cristãos – não porque eles são bem escritos, ou porque dizem algo importante,
mas porque eles vão vender e fazer dinheiro.
Nos dias
em que o movimento de Yeshua era conhecido como a “seita dos nazarenos” (Atos
24:5,14), ser um nazareno(Notzeri em hebraico) estava relacionado diretamente
com sua proximidade com D-us e com o próximo (Mateus 22:36-38; João 13:34-35).
Nos séculos posteriores entretanto demos menos importância aos relacionamentos
e ao mesmo tempo intelectualizamos e politizamos a fé. Essas influências
deletérias mudaram radicalmente a natureza da Igreja. O espírito anti-judaísmo
e mais tarde o anti-semitismo destruiu a personalidade original da igreja em
muitos aspectos. Isso explica por que é tão difícil para muitos entender a
Bíblia como um todo, velho e novo Testamento em harmonia.
Surpreendentemente
no meio cristão sabe-se muito pouco sobre os 4 primeiros séculos da historia da
igreja, que era predominantemente composta de Judeus que continuavam a guardar
o sábado e ir as sinagogas, celebrar as Festas bíblicas e eventos relacionados
à cultura judaica assim como Yeshua o
fez toda a sua vida. Nos seminários dá-se muita ênfase a historia da igreja
depois do quarto século, período em que boa parte da sua essência fora
corrompida por vários fatores históricos e culturais, um deles em destaque foi
a “cristianização” do império romano por Constantino em 321 por intermédio do
Édito de Constantino que determinou oficialmente o domingo como dia de “santo”,
dia do deus sol (padroeiro de Constantino) venerado por povos pagãos desde o
Egito antigo.
Para
realmente entender o que significa ser um seguidor de Yeshua, deve-se voltar às
raízes hebraicas de seu movimento, e dos documentos que agora se referem como
“O Novo Testamento” que na verdade eram conhecidos no período dos apóstolos
como Ketuvim Notzerim(escritos nazarenos).
Shalom
Alecha!
Autor:
Brian Knowles
Tradução:
A S A
Por Rosh Notzeri: Yosef Ben Avraham